Literatura e Tecnologia
Este blog foi elaborado por educadores na área de Língua Portuguesa que participaram do curso de formação à distância, "Melhor Gestão, Melhor Ensino", realizado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. O curso tem como objetivo capacitar os professores, usando a tecnologia contemporânea como aliada, visando o aprimoramento da competência leitora e escritora dos alunos do ensino fundamental.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
sábado, 22 de junho de 2013
Convite ao literando com tecnologia
C o n v i t e
Que tal ser abraçado pela leitura? Então, venha conhecer nosso blog e se sinta unido a ela, com assuntos interessantes através da tecnologia contemporânea.

NO AEROPORTO Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade
Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três
horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não faltou assunto para nos
entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual.
Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-lo a fundo.
Embora Pedro seja extremamente parco de palavras, e, a bem dizer, não se
digne de pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é
conversa de gestos e expressões pelos quais se faz entender
admiravelmente. É o seu sistema.
Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria
para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não
direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer.
Seu sorriso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas
boas intenções para com o mundo ocidental e oriental, e em particular o
nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos,
gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de dentes),
abonam a classificação.
Devo dizer que Pedro, como visitante, nos deu trabalho; tinha
horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes
especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso
compensariam providências e privilégios maiores.
Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e
ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou importuno. Suas horas de
sono - e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia -
eram respeitadas como ritos sagrados, a ponto de não ousarmos erguer a
voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se
zangaria com a gente, porém nós mesmos é que não nos perdoaríamos o
corte de seus sonhos.
Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para
violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se
forraram à tortura da tevê. Andando na ponta dos pés, ou descalços,
levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha
importância.
Objetos que visse em nossa mão, requisitava-os. Gosta de óculos
alheios (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em
geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é
colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume
ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer
dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante
de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis — porque me
esquecia de dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita
ou acusação apressada, sobre a razão íntima de seus atos.
Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre
os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte?
Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. Jamais
me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de
irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me.
Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade — e, até,
que a nossa amizade lhe conferia caráter necessário de prova; ou
gratuito, de poesia e jogo.
Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de
um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o
aeroporto ficou vazio.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de balanço. Reprod. Em: Poesia
completa e prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973. p.1107-1108
FONTE:
http://theednpoetopias.blogspot.com/2010/03/drummondianas.html
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